O Globo
WASHINGTON — A nova era que começa no México no próximo sábado, com a posse de Andrés Manuel López Obrador na Presidência, flerta com extremos. Nos cinco meses desde que foi eleito,AMLO , como é conhecido, anunciou iniciativas de vanguarda e propostas de tom populista. Os grandes desafios do país — a violência, a corrupção, e o crescimento econômico baixo e pouco inclusivo — esperam respostas do primeiro governo de esquerda em décadas.
AMLO apoia a legalização do uso recreativo da maconha e tem defendido a primazia dos direitos humanos como forma de reduzir a violência, que desde a militarização da guerra às drogas, em 2006, deixou 250 mil mortos e 34 mil desaparecidos.
Ao mesmo tempo, já usou uma consulta popular feita sem supervisão da autoridade eleitoral para anunciar que revogará o contrato de construção do novo aeroporto da Cidade do México — projeto controvertido que pode chegar a US$ 9 bilhões e tem 30% das obras prontas. López Obrador pretende mudar a lei para ampliar o recurso a referendos e plebiscitos, movimento que preocupa alguns especialistas.
Na economia, AMLO promete um governo austero e cumpridor dos contratos, mas anunciou que intervirá no sistema bancário para reduzir ou acabar com tarifas, o que desagradou os defensores do livre mercado.
— Não há ninguém indiferente: ou as pessoas estão muito pessimistas ou muito otimistas — disse ao GLOBO Valeria Moy, economista e presidente da iniciativa México Como Vamos? — Infelizmente, estou entre as pessimistas.
'Demagogia direta'
Dando um giro em relação ao que dizia na campanha, López Obrador indicou que não desmilitarizá a segurança pública. Ele projeta criar uma Guarda Nacional com 150 mil homens, que será subordinada à Presidência e à Secretaria de Defesa. Pretende submeter o plano a uma consulta popular em 21 de março, mas disse que desta vez o Instituto Nacional Eleitoral organizará a votação.
Os críticos já afirmam que a pergunta proposta para a consulta induziria os eleitores a votar “sim” : “O presidente da República está propondo que se integre a Polícia Militar, a Polícia Naval e a Polícia Federal para a formação da Guarda Nacional, a fim de garantir a segurança pública. Está de acordo?”
— Estamos vendo um exercício de demagogia direta, não de democracia direta — afirma Roberto Duque, analista e professor da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam). — A pergunta personaliza a proposta em torno de AMLO e cria uma falsa democracia, pois os cidadãos não são a melhor solução para definir questões muito técnicas. Para isso existe a democracia representativa. Imagine decidir impostos por referendo?
Duque afirma que AMLO agiu à margem da lei na consulta que seu partido, o Morena (Movimento de Regeneração Nacional) organizou sobre o aeroporto da capital. Foram distribuídas cerca de mil urnas (contra 156 mil nas eleições presidenciais de julho), concentradas em regiões onde o Morena é mais forte e sem qualquer controle independente — os responsáveis levavam as urnas para suas casas. Para ele, é um sinal de personalismo e pouco respeito às instituições democráticas.
Além disso, no caso da criação da Guarda Nacional, a proposta de mais militarização provoca descontentamento.
— A militarização da segurança se mostrou ineficaz até agora — afirma Valeria Moy.
Na economia, o novo acordo que substituirá o Nafta, a área de livre comércio com Estados Unidos e Canadá, será assinado no último dia do governo de Enrique Peña Nieto, do PRI (Partido Revolucionário Institucional), mas não trará segurança imediata porque precisará ser referendado pelos parlamentos dos três países. Para Moy, o governo parece perdido em sua agenda econômica, e terá dificuldades de atrair investimentos.
— Vejo riscos nas contas públicas e tentativas de intervir no mercado, como no caso do aeroporto e das tarifas bancárias — disse ela.
Rubén Salazar, diretor da consultoria Etellekt, tem avaliação diferente. Para ele, AMLO não rompeu contratos quando suspendeu a construção do novo aeroporto: indicou que ele será erguido agora em uma antiga base militar na região da capital, área mais propícia para as instalações do que o local anterior, na área de um antigo lago que poderia exigir uma manutenção muito mais custosa.
— Nenhum empresário sairá prejudicado. AMLO quer manter a credibilidade do governo. O novo presidente simplesmente está tentando acabar com os antigos esquemas das obras públicas, em que o empresário construía estruturas não tão perfeitas para continuar oferecendo reparos e consertos — afirma ele.
Políticas inclusivas
Salazar diz que, no governo, López Obrador tenderá a reconstruir sua relação com os empresários. Durante a campanha, o clima entre o empresariado e AMLO era de confronto. O diretor da Etellekt aposta em que os dois lados vão se acertar, por acreditar que o novo governo vai ampliar o crescimento econômico com uma gestão ortodoxa da economia e políticas inclusivas que ampliarão o mercado consumidor mexicano.
— O que vemos é o risco de um forte enfrentamento entre o novo governo e a burocracia. AMLO quer mexer com instituições muito arraigadas no Estado mexicano — afirmou ele, observando que isso também faz parte da estratégia de combate à corrupção no país, uma das prioridades dos mexicanos.
Externamente, AMLO assume o governo sem o peso da renegociação do Nafta, concluída por Peña Nieto, que sai do poder com 18% de aprovação e chamado de “presidente invisível”. Mas o tema da imigração continuará sendo uma fonte de tensão com o vizinho do Norte, apesar de algum entendimento já estar ocorrendo. Ontem, o jornal “Washington Post” informou que López Obrador concordou em apoiar o plano de Trump de mudar as regras de asilo nos EUA a partir da fronteira sul, requerendo que os solicitantes fiquem no México enquanto esperam a decisão legal.
No quadro geral, o novo presidente tenderá a ser uma voz destoante na região, onde há uma onda conservadora.