Publicado en O Globo.

CIDADE DO MÉXICO — As milhares de pessoas que esperaram pelo discurso de Andrés Manuel López Obrador no Zócalo, praça central da capital mexicana, estavam ali para viver um momento histórico e renovar suas esperanças de mudanças radicais no país. Mas as profundas promessas de AMLO, como é chamado, e as grandes expectativas de seu eleitorado geram desafios únicos para o novo presidente mexicano. Tanto é assim que, momentos após a vitória e entrevistas durante o dia, fez questão de começar a reduzir as expectativas de mudanças imediatas e profundas.

— Vamos atuar de forma respeitosa, e a transição (de governo) será ordenada, para que se mantenha a estabilidade econômica e financeira, para que não haja sobressaltos, pois assim podemos levar o nosso país adiante — disse, ovacionado várias vezes.

O fim da corrupção, da violência e da desigualdade em um cenário de prosperidade não é algo fácil, nem mesmo para quem foi eleito com grande margem, tem alto capital político e deve contar com uma maioria confiável no Congresso. E mesmo quando há uma diretriz clara para evoluir nestes pontos, é possível levar anos para obter um bom resultado.

— López Obrador não conseguirá acabar ou reduzir a corrupção apenas com seus exemplos, por mais que esteja bem intencionado — afirmou Dario Ramírez, diretor da associação Mexicanos Contra a Corrupção. — E ele apresentou ideias genéricas, não planos para o tema.

O especialista afirma que, de fato, AMLO poderia ter sido mais proativo pela transparência quando governou a Cidade do México, mas que seu governo tinha um nível de governança, como fiscalização externa independente de obras, melhor que a média do país. O que ele afirma que não está claro é se conseguirá promover reformas importantes, como criar, de fato, a independência do Ministério Público.

— Há dois pontos: o Morena (seu partido) não tem o número de afiliados suficiente para preencher os dois primeiros níveis de governo. Será necessário realizar composições. E sua aliança já formou pactos importantes com forças políticas tradicionais em diversos locais, com forças que não necessariamente estão comprometidas com mudanças de comportamentos.

‘LUA DE MEL’

Mesmo na segurança há dificuldades. De concreto, prometeu apenas centralizar as decisões sobre o tema, indicando que terá “diariamente na primeira hora da manhã” reuniões com comandos das forças de segurança.

— Isso pode funcionar, facilitar o intercâmbio e soluções de inteligência. Porém, gera riscos. Ele pode ser responsabilizado por fracassos em uma área muito complicada — disse Katherine Pereira, diretora associada do Adrienne Arsht Latin America Center, do Atlantic Council.

Ela acredita que, sendo um bom negociador, ele pode inclusive ampliar o intercâmbio de informações com os Estados Unidos na área. E que, com uma popularidade tão elevada, poderá ter uma “lua de mel” maior com os eleitores — ele prometeu em seu discurso de posse que não vai “trair o povo” e que fará uma nova turnê pelo país.